Como as "Canetinhas de Emagrecimento" Podem Estar Transformando Sua Intimidade
Quem me conhece sabe que adoro puxar assuntos que ficam escondidos debaixo do tapete. E hoje vamos falar de algo que tenho observado nos últimos meses: a relação entre as famosas "canetinhas de emagrecimento" e a saúde íntima feminina.
Sabe aqueles antes-e-depois impressionantes que enchem nosso feed? Pessoas perdendo 15, 20kg em questão de meses com Ozempic, Wegovy e Saxenda? Os resultados são realmente notáveis — e tem muita ciência séria comprovando a eficácia desses medicamentos.
Mas entre tantos "uau, como você emagreceu!" e "conta esse segredo", existe uma conversa que ninguém está tendo: o que acontece com o nosso corpo íntimo durante esse processo?
A parte do emagrecimento que não aparece nas fotos
No último Congresso de Ginecologia que participei, encontrei a Dra. Camila (nome fictício), ginecologista especializada em sexualidade, que comentou algo que acendeu minha curiosidade: "Tenho notado um padrão entre pacientes usando esses medicamentos. Elas emagrecem, ficam felizes com a silhueta, mas muitas relatam mudanças na lubrificação e sensibilidade vaginal."
Isso me fez refletir sobre como falamos tanto do emagrecimento visível, mas quase nada sobre como ele afeta nossas partes mais íntimas.
E não estou inventando da minha cabeça. Há bases científicas para essa relação:
Nossa vulva possui uma camada natural de gordura subcutânea que dá volume, maciez e proteção aos lábios maiores e ao monte de Vênus. Quando perdemos peso rapidamente, essa região também passa por transformações.
Uma pesquisadora da Universidade da Califórnia que estuda saúde sexual feminina explicou recentemente que "o tecido adiposo vulvar tem uma função estrutural e sensorial importante que pode ser alterada durante emagrecimento significativo" (ela explicou isso muito melhor que eu, confesso).
Quando o corpo se transforma: minha experiência com a gestação gemelar
Minha própria jornada com transformações corporais não envolveu "canetinhas", mas me ensinou muito sobre como cada parte do nosso corpo responde às mudanças. Durante minha gestação gemelar, ganhei mais de 25kg em um período relativamente curto. Foi uma mudança drástica que ainda impacta minha saúde e meu corpo até hoje.
O que poucas pessoas falam é que tanto o ganho quanto a perda de peso afetam nossa região íntima. No meu caso, a gravidez trouxe mudanças na sensibilidade, na distribuição de pressão durante as relações sexuais, e uma necessidade de reconhecer e me adaptar a um corpo completamente novo.
Foi essa experiência que me despertou para o estudo mais profundo da relação entre composição corporal e saúde íntima — um tema que, infelizmente, raramente entra nas consultas médicas quando se discute transformações corporais.
O que a ciência está descobrindo (sem o blá-blá-blá técnico)
Pesquisadores têm identificado pelo menos três formas pelas quais esses medicamentos podem afetar nossa experiência íntima:
1. As mudanças estruturais
Quando emagrecemos muito rápido, a "almofada" natural de gordura da vulva diminui. Isso pode fazer com que estruturas como o clitóris fiquem mais expostas e sensíveis. Para algumas mulheres, isso aumenta o prazer; para outras, pode gerar desconforto ou hipersensibilidade.
Uma médica que estuda os efeitos desses medicamentos me contou que tem pacientes que desenvolveram desconforto durante as relações depois de perderem muito peso em pouco tempo. "É como se o 'acolchoamento' natural tivesse diminuído," ela explicou.
2. A questão da lubrificação
Estudos preliminares (ainda pequenos, mas relevantes) sugerem que aproximadamente 30-40% das mulheres usando esses medicamentos por períodos prolongados notam diferenças na lubrificação natural.
Isso pode acontecer porque esses medicamentos podem afetar a circulação sanguínea e a resposta vascular — e a lubrificação depende muito desses fatores.
3. O fator neurológico (a parte mais fascinante)
Aqui está o que realmente me deixou curiosa: cientistas descobriram que existem receptores de GLP-1 (o mecanismo que essas "canetinhas" ativam) no sistema nervoso central.
Em termos simples: esses medicamentos podem potencialmente influenciar como nosso cérebro processa o prazer, o desejo e até mesmo as sensações físicas. Alguns estudos em andamento sugerem que pode haver uma modulação temporária dos circuitos de recompensa do cérebro.
Quando o corpo muda mais rápido que nossa mente
Além dos aspectos físicos, existe algo igualmente importante: o componente psicológico.
Quando nosso corpo muda drasticamente em poucos meses — seja por medicamentos, gravidez, ou outras causas — nossa mente nem sempre acompanha no mesmo ritmo. O cérebro mantém uma "imagem corporal" interna que pode demorar para se atualizar.
É por isso que muitas pessoas que emagrecem muito ainda "se sentem gordas" mesmo estando muito mais magras — um fenômeno bem documentado pela psicologia.
Essa desconexão afeta naturalmente nossa sexualidade. Podemos nos sentir inseguras, ou simplesmente "estranhas" no novo corpo — incluindo durante momentos de intimidade.
Uma sexóloga com quem conversei me disse algo que achei profundo: "O prazer acontece quando habitamos completamente nosso corpo. Quando o corpo muda muito rápido, precisamos de tempo para reaprender a habitá-lo."
Cuidando da sua intimidade durante grandes transformações corporais
Se você está usando essas medicações (ou considerando começar), não quero de forma alguma desencorajá-la! Esses tratamentos têm ajudado muitas pessoas e existem bons estudos respaldando sua segurança.
O que quero é trazer essa dimensão para a conversa, para que o cuidado seja completo.
Baseado no que especialistas em saúde feminina recomendam, aqui vão algumas dicas práticas:
1. Observe as mudanças sem julgamento
Preste atenção em como sua região íntima se transforma junto com o resto do corpo. Mais sensível? Menos lubrificada? Apenas diferente? Observar é o primeiro passo.
2. Invista em hidratação específica
Produtos desenvolvidos para a região íntima (não, não estou falando de sabonetes!) podem ajudar a manter a elasticidade e a saúde da pele vulvar.
3. Considere lubrificantes de qualidade
Se notar ressecamento, não hesite em usar lubrificantes à base de água. Não é "desistir" ou "trapacear" — é simplesmente dar ao corpo o que ele precisa naquele momento.
4. Comunique-se durante o sexo
Seu corpo mudou, então as mesmas posições e ritmos de antes podem não ser os ideais agora. Comunique-se abertamente com seu parceiro(a) sobre o que está sentindo.
5. Fale abertamente com seu médico
Inclua a saúde íntima nas conversas sobre os efeitos do medicamento. Se seu médico minimizar suas preocupações, considere procurar um especialista em saúde sexual.
Para além do peso na balança
As "canetinhas milagrosas" são uma inovação impressionante, e estão ajudando muitas pessoas a conquistarem uma saúde metabólica melhor. Isso é inegável e maravilhoso!
O que estou propondo é apenas que ampliemos a conversa para incluir todos os aspectos dessa transformação — inclusive aqueles que não aparecem nas fotos de antes e depois.
Porque o verdadeiro bem-estar vai muito além do número na balança. Inclui também sentir-se confortável e prazerosa na própria pele — toda ela.
Marília Ponte é educadora sexual e fundadora da Feel, marca dedicada ao bem-estar feminino. Sua missão é trazer à tona as conversas que realmente importam para a saúde e o prazer feminino.