Contos Eróticos da Amahle: Episódio 04 - Não faça barulho
por Time Feel
Escrito por Monique dos Anjos, escritora de contos eróticos e jornalista.
Vica e Amahle tinham uma única regra sobre morarem juntos: nada de homens depois das 22h. Na verdade, o que estava implícito nesse acordo era que gemidos à noite adentro eram terminantemente proibidos. Amahle nunca ligou muito para esse combinado.
Primeiramente porque sua vida sexual, até então, não era tão movimentada. Segundo, pois com a escassez de orgasmos que marcou seu passado, ela nunca precisou se conter na hora do sexo. Muito pelo contrário. Se esforçou para emitir filhos por pura convenção.
Mas depois de um encontro para lá de estimulante com Daniel, ela decidiu ser uma tanto transgressora e a chamou para ir até sua casa. O número três da lista de seu experimento sexual era um ex-ficante dos tempos em que ela passava as noites visitando diferentes bares da rua Augusta, à procura de algo que sequer especificasse sabia, mas que a colocava numa eterna ansiedade.
No dia em que se conheceram, numa casa antiga que misturava brechó, loja de antiguidades e restaurante, os dois chegaram a trocar carícias bem intensas no banheiro do local. Masturbaram-se um ao outro em um cubículo apertado e um tanto tépido até que atingissem o orgasmo. Ou melhor, até que ele atinja o orgasmo. “Mais uma noite passada”, pensou Amahle à época. Dessa vez, porém, o ambiente era muito mais propício. Não só eles poderiam ir além de uma simples punheta, como Amahle se tornaria uma mulher que sabia muito bem exigir seu direito ao gozo.
A oportunidade para que a noite siga no endereço dividido com a amiga veio quando Daniel quis saber a razão de ela tê-lo procurado. “Passe a noite comigo que eu te conto”, disse em tom provocativo. Os dois foram os últimos no restaurante onde estavam e, embora não tenha feito nada explícito aqui, foi nítido o interesse de Daniel transar com Amahle.
Durante toda a noite, ele não desgrudou os olhos dela. Diferentemente daqueles que se distraem com o que acontece ao seu redor, Daniel parecia hipnotizado. Era como se tudo o que saísse da boca dela fosse a notícia mais fascinante já pronunciada. Amahle não sabia, mas tinha esse poder sobre as pessoas. As atraía com facilidade, as envolvia com suas perguntas intrigantes e as fazia se sentirem especiais pois também colocava toda sua atenção no que diziam. Desde o seu despertar sexual isso se intensificou. Provavelmente porque ela passou a ter consciência das possibilidades que seu corpo poderia oferecer não só para ela, mas para quem teve uma espécie de acompanhá-la.
Ele se ofereceu para pagar a conta. A contraproposta foi que dividissem. Para Amahle aquela era quase uma transação comercial. Não queria ficar em subsídio com os “participantes” e muito menos criar vínculo. Para o azar – ou sorte – dela, essas regras seriam rapidamente descumpridas.
Sentaram lado a lado no banco de trás do Uber. Sem a menor inibição, Amahle começou a contar, para alegria do motorista, o motivo do convite: “quero ver se consigo gozar com você”, falou sem enrolação. Daniel sorriu surpreso. Mesmo sem ter conhecido muito bem a Amahle antiga, jamais a imaginou fazendo ou falando algo do tipo. “Dessa vez não vou deixar você ir embora sem cumprir minha parte no acordo”, ele respondeu.
Entraram no apartamento andando na ponta dos pés e foram direto para o quarto. Amahle tinha um pequeno frigobar que fazia função de mesa de apoio e tirou de lá duas long necks.
Antes que pudesse oferecer a bebida para Daniel ele a segurou pela cintura e a beijou de um jeito molhado enquanto a empurrava contra parede. “Não podemos fazer barulho”, ela o lembrou.
Deitaram-se na cama e, num estilo sexo dos anos 1980, foram para debaixo dos lençóis. O beijo dele era delicioso. A língua se movia devagar, os lábios grossos a chupavam e a respiração dos dois parecia sincronizada de tanto encaixe. Os primeiros gemidos indevidos começaram a surgir nesse momento. Como podia ser um simples beijo ser tão excitante? Amahle não sabia responder, mas podia perceber seu corpo todo interagindo com aquela performance.
Com camisinha à postos, Daniel passou a roçar seu pênis por cima da vulva de Amahle. “Deve ser assim que mulheres lésbicas se sentem”, pensou ela. O estímulo no seu clitóris, mesmo sem a penetração fazia ela sentir leves faíscas em toda sua pélvis. Era uma sensação inebriante. Algo que ela ainda não havia experimentado e que a deixou sedenta por mais. Era uma forma diferente de prazer. Sem pressa, sem expectativas, somente entregas. Em certo momento, ela desejou mais. “Pelo amor de Deus, mete com tudo”, suplicou ciente de que o gozo não só estava garantido, como seria dos bons.
Pela primeira vez na vida, Amahle teve que se esforçar para não gemer de tesão. Tanto é que pediu a Daniel que cobrisse sua boca com as mãos, na vã tentativa de não gritar. O efeito, porém, foi o inverso.
Com as mãos grandes e um tanto calejadas de Daniel sobre seus lábios, Amahle começou a lamber os dedos dele, chupar o dedão e passar a língua de cima abaixo. Isso fez com que saboreasse o gosto da própria vulva na ponta dos dedos dele. Tudo isso enquanto sentia o peso daquele homem enorme sobre seu corpo, se jogando contra ela com cada vez mais força e pressão. Se antes o problema era fingir o orgasmo, agora Amahle se via num esforço quase sobre humano para não gritar, morder e arranhar seus parceiros tamanho era o desejo que seu corpo todo exalava.
Ele segue por cima, mesma posição, ela abraçando-o, mãos em suas costas e bunda, forçando-o a ir cada vez mais dentro dela. O ponto alto aconteceu quando Daniel usou uma das mãos para estimular Amahle exatamente da mesma forma que fizerama no banheiro em que quase transaram da primeira vez. O gesto era familiar, mas o resultado foi totalmente diferente. Amahle começou a sentir o orgasmo se formando como uma onda de calor que iniciava em sua barriga e ia descendo até explodir no meio de suas pernas.
Nesse momento, entregue a tudo que sentiu, se permitiu gritar. E como se concentra. Gritou celebrando seu corpo, celebrando a realização de seus desejos e, principalmente comemorando o fato de que o mérito era, independentemente dos esforços de seus parceiros, toda ela. Raul, o alvo seguinte, não teria a destreza dos anteriores. Mas isso não quer dizer que o experimento com o número quatro seria de tudo perdido.
Na manhã seguinte, os dois procuraram sair em silêncio, da mesma forma que entraram. Porém, um colega de quarto insone já estava acordado para recebê-los. “Depois de me manter acordada a noite toda com essa gritaria, vocês realmente acham que adianta andar na ponta dos pés agora?”, disse Vica levando os três a rir alto. Agora era esperar Daniel ir embora para que Amahle pudesse contar para amiga, detalhe por detalhe, quão molhada havia sido seu último orgasmo.
Monique dos Anjos é escritora de contos eróticos para mulheres, jornalista e estuda gênero e raça para pesquisas acadêmicas. Além dos trabalhos de escrita, desenvolve palestras sobre letramento racial e equidade de gênero.