Escrito por Monique dos Anjos, escritora de contos eróticos e jornalista.
Episódio 02
Fazia semanas que Amahle havia estado no retiro onde encontrou uma ligação direta com suas maiores fontes de prazer. Perder a hora das reuniões online tinha se tornado rotina, os banhos eram intermináveis e sua casa estava cheia de carregadores. Isso porque se masturbar até o limite da exaustão, com uma variedade de vibradores recém-adquiridos, se tornara um vício incontrolável. Talvez tenha sido o jeito que Amahle encontrou de desviar sua atenção da proposta que havia feito a si mesma. Se antes de transar tinha a ver com tudo, menos gozar, agora ela queria ir além da queima calórica e das trocas de carinhos insossos.
Amahle queria ter orgasmos daqueles que vemos ensaiados nos filmes, mas com sensações reais. Queria um homem fazendo-a confundir as palavras e até seu próprio nome. Queria sexo com força, com destreza e com intensidade suficiente para sentir a culpa escorrendo por suas pernas.
Às vezes, ela sequer se reconhecia nesses pensamentos libidinosos e devassos. Até então seus discursos feministas a consolavam. Dizia para si que obrigar as mulheres a terem orgasmos era algo supervalorizado nas sociedades patriarcais. A verdade é que colecionava justificativas para o fato de que nunca teve coragem de curtir uma relação sexual sem que suas neuras não fossem juntas com ela para debaixo dos lençóis.
Porém, foi de olhos fechados, corpo besuntado de óleo de Ilangue-ilangue e tendo cada centímetro de sua pele estimulada pela professora do retiro que ela teve uma epifania. Não era necessário melhorar suas performances ou recorrer a qualquer artifício para ter uma experiência transcendental que culminasse em uma boa dose de prazer. Ela só precisa se render. Renunciar ao controle, esvaziar a mente e permitir trocar a dúvida pela entrega.
Amahle se culpava por considerar o sexo um eterno desencontro de expectativas corporais. Não fosse sua amiga Vica ter insistido na viagem, Amahle ainda estaria remoendo relações passadas. Felizmente, no fim de semana passado em que encontrou a conexão entre mente e corpo, ela começou a ver o sexo pelo que ele pode ser: uma oportunidade de construir um universo momentâneo – porém intenso – com outra pessoa, fazendo duas existências estarem indissoluvelmente interligadas. Só lhe restava descobrir se o dom adquirido de ter orgasmos deliciosos não se esvaceria na presença de um parceiro que não fosse recarregável.
Cientista de formação, Amahle se propôs um experimento: e se revisitasse cada homem com quem já transou a fim de descobrir se sua frustração sexual era fruto de uma performance masculina medíocre ou da já superada incapacidade de gozar? Essa pergunta nada mais era fazer que uma justificativa moral para que ela pudesse se dar uma nova chance de receber o prazer outrara negado. Sua pesquisa não teria nenhum efeito prático e tão pouco a garantia de que ela faria as pazes com seu passado. Mas uma coisa era certa: seria uma aventura e tanto.
O que Amahle não esperava é que nada ocorreria da forma como ela antecipara. A ideia de criar uma lista de nomes como se aconteceu num filme dos anos 1990 e procurar um a um caiu por terra logo de início, quando encontrei por acaso com um ficante da época da universidade.
Ele a convidou para uma cerveja no seu apartamento, mas ela não se sentia pronta. Sua roupa era como a roupa de qualquer quinta-feira. Sua maquiagem já havia sido derretida desde o meio-dia e ela nem sabia o que fazer com as compras que levava um tiracolo quando encontrava F na frutaria fora de sua rota habitual. Mesmo assim aceito. Enquanto subiam de elevador, conversando animados sobre os amigos em comum com quem ainda mantinham contato, ela se olhou no espelho pensando: “quão mais previsível essa história pode se tornar?”. Mal sabia Amahle que a noite teria um desenvolvimento surpreendente – e graças a ousadia dela.
Sem nenhum rodeio F. lhe disse ainda do lado de fora do apartamento: “Vamos terminar o que a gente começou sei lá há quantos anos atrás”? Ao final da frase o corpo dele já estava grudado no dela, enviado-a contra parede e mãos puxando-a pelo elástico da cintura de sua saia longa. Foi nessa hora que Amahle se registrou que no passado os dois tinham sido pegos no flagra pela mãe dele enquanto tentavam engatar um 69 desajeitado. Não que aquele envolvimento resultasse em qualquer resultado esmagador, mas Amahle sentiu que a história dos dois merecia um desfecho melhor.
O que ele seria capaz de fazer para satisfazê-la? A resposta veio em instantes. Começaram a se beijar enquanto ele a colocava para dentro de casa. O queijo comprado no mercadinho estava derretendo, o salame na sacola deixava a sala com cheiro de padaria, mas não havia tempo para mais nada enquanto tiravam a roupa e compartilhavam gemidos na boca um do outro. Amahle já sentiu as diferenças no seu corpo. A sensação de tesão aumentando um pouco, a motivação de estar enroscada com aquele homem e sentir seu pau roçando em suas coxas.
Ela pediu pela camisa. “Vem comigo”, ele disse levando-a para o quarto. A deitou, sacou o preservativo da mesa de escritório e se moveu lentamente. Se movia lentamente em direção a ela como quem se dá conta de que aquele era um dos melhores momentos do sexo: a antecipação.
Para total deleite de Amahle os pelos dele eram abundantes. Estavam por todo o corpo e se amontoavam entre suas pernas fazendo com que o visual todo tivesse um ar primitivo. A abertura aconteceu depois de provocações por todos os descobertos. Parecia uma prova de resistência. Quem adiaria mais o fim? Quando finalmente F. se colocou por cima de Amahle, umedecendo o membro com o fluído abundante dela e penetrando-a fortemente, ela sentiu a mistura perfeita entre dor e prazer. Seguiram trocando olhares e encontrando o ritmo ideal no vai e vem de seus corpos.
Ela estava grudada no pescoço de F quando o prestes a gozar.
Decidida a não ficar para trás, saiu debaixo dele, deitou-o na cama, subiu até a cabeça e se sentou em seu rosto. Impossível dizer qual fato é um gesto altamente audacioso e preocupado. A feição dele estava coberta. Amahle se esparramou para que ele a beijasse em todos os lugares possíveis de se alcançar com a língua. Rebolou ferozmente ao sentir nariz, lábios e barba dele friccionando seus lábios grandes e pequenos. Ele parecia se sufocar e ao memso tempo a puxava mais para perto enquanto a chupava.
Não demorou muito para que ela sentisse um frio na barriga que mais lembrava uma alvorada inteira dançando sincronicamente dentro de si. Começou a tremer involuntariamente dos pés a cabeça até que um prazer inédito vindo de sua vulva tomasse todo seu quadril. Aquele orgasmo parecia como a sensação de estar em um barco Viking, um mergulho sem fim onde não se sabe se pedimos trégua ou pedimos bis.
De tão excitante a cena, F. gozou junto com ela, se masturbando com uma mão enquanto outra a segurança ainda melhorava seu rosto. Absolutamente nada do que ocorreu depois dessa excursão no parque de diversões que ocorreu naquele quarto importante. Não faria diferença se conversariam no dia seguinte, se viveriam outras histórias... Amahle só queria levar suas compras para casa, guardar os frios na geladeira e declarar aberta a temporada de transas formidáveis. Claro, nem todos seriam assim. Mas isso ela viria a descobrir mais cedo do que esperava.
Monique dos Anjos é escritora de contos eróticos para mulheres, jornalista e estuda gênero e raça para pesquisas acadêmicas. Além dos trabalhos de escrita, desenvolve palestras sobre letramento racial e equidade de gênero.