Contos eróticos da Amahle - Episódio 01: A descoberta

Todo mês conheça uma parte da jornada de Amahle, contada e escrita por Monique dos Anjos. Embarque nessa nova série erótica tão deliciosa e tão profunda.

 

Episódio 1: A descoberta

De Catuaba a Ayahuasca, passando por hipnose e psicanálise, Amahle já havia tentado provavelmente de tudo em busca de um orgasmo. E nem precisaria ser múltiplo, explosivo, molhado. Ela só queria entender do que suas amigas estavam falando quando descreviam a sensação – teoricamente – maravilhosa de perder o controle do corpo todo, sentir espasmos musculares e pequenas descargas elétricas na vulva que as deixavam com uma mistura de exaustão e total vigor ao mesmo tempo. 

Portanto não é de se estranhar sua presença nesse retiro de bem-estar sexual com uma dose levemente excessiva de positividade hippie. Enquanto Vica, sua melhor amiga, está despida da cintura para baixo, com um espelho de mão perfeitamente posicionado para que possa conhecer sua zona íntima, Amahle sequer descruzou as pernas. 

Decidida a não ser taxada de puritana dentro daquele círculo de mulheres de todas as idades, algumas que poderiam ser sua filha, caso tivesse uma, ou sua mãe e até avó, ela respirou fundo, pensou “dane-se” abrindo-se figura e literalmente para o exercício. 


O comando da terapeuta tântrica de braços torneados e uma pele que só poderia ser descrita como feita de chocolate e pó de ouro era simples: conheça seu corpo. 

Foi inebriante e encorajador sentir o ambiente ser tomado pouco a pouco por cheiros cítricos, ora avinagrados, ora com notas florais, que se perdiam em meio ao típico odor de sabonetes íntimos que substituem nosso aroma peculiar por uma versão farmacêutica.

Amahle passou a levar a sério a atividade quando, em vez de olhar ao redor, tomou coragem e encarou o espelho. 


Se era preciso preparação psicológica para se enxergar nua diante uma plateia, imagine fazê-lo mirando não seu corpo como algo coeso, mas buscando detalhes na sua vulva, seus grandes lábios, clitóris e cavidades? O que viu, porém, a surpreendeu. Percebeu em si uma poesia concreta, daquelas que desmontam palavras e só fazem sentido para quem se empenha em decifrá-las. Reconheceu ali, na sua parte mais oculta, formas da natureza que não lembravam nem flor, nem fruta, mas gotas escorridas de uma vela doce e perfumada, que juntas formavam marcadas como a água de rio deixa na areia. No fim da dinâmica, a sensação era de que, vencido o preconceito que ela tinha contra si, não havia mais barreiras a superar. O orgasmo enfim parecia algo possível. 


Quando recebeu a tarefa do dia seguinte: ir para o quarto se masturbar usando o mesmo espelhinho, sentiu que aquele era um jogo ganho. Ledo engano. Foram minutos a fio buscando inspiração, relembrando jogos sexuais, tocando o corpo ora com gentileza, ora com afinco, mas sem nenhum resultado perto do prazer transcendental vendido no folheto do retiro. “Quero meu dinheiro de volta”, pensou. 


A última noite, porém, reservaria surpresas que só mesmo o final de uma viagem, quando as expectativas já estão reduzidas a zero, podem proporcionar. Uma desistência a permitiu receber uma massagem para liberação da sua energia sexual. Vica havia avisado que, cansada, não sairia do quarto nem para jantar. Talvez tivesse conhecido alguém, talvez estivesse mesmo cansada... de tanto gozar. Ela era uma dessas amigas competitivas que faria de tudo para tirar nota dez, mesmo que aquilo não fosse um campeonato e que a recompensa fosse puramente interna e subjetiva. 


Quem realizaria a massagem seria a professora que conduziu todo curso. “Fico feliz que você tenha vencido mais essa barreira”, disse a Amahle. O quarto em nada lembrava as salas de Spa que ela já havia frequentado. No lugar de uma maca, uma cama box alta, com quatro pilares que sustentavam um tecido de voil, dando a impressão de que estavam em uma tenda em algum lugar perdido do deserto. Velas de todos os formatos e cores se espalhavam junto a pilhas de livros, itens de decoração em madeira e suvenires. A música parecia o som de um murmúrio, o chamado de uma voz feminina que urgia por algo não conquistado.

 

 

Nada sobre aquele momento seria como qualquer outra experiência que Amahle já havia participado. No lugar de óleos essenciais, lubrificante. Em vez de rolos e ventosas, um singelo vibrador bullet. “Devo tirar a roupa?”, perguntou sem encarar a terapeuta. “Fique como se sentir mais confortável, mas não se esconda atrás de camadas artificiais”, ouviu como resposta. O recado era claro: deixe o pudor – e as roupas – de lado. 


Amahle se deitou, nua, exposta, insegura e com os músculos contraídos, esperando qualquer tipo de conversa para quebrar o gelo. No entanto, não havia lugar para encenações. Ao sentir suas pernas sendo abertas gentilmente e uma leve pressão no púbis que a convidava a relaxar o quadril, parou de tentar antecipar o que aconteceria e se rendeu.


Sentiu mãos suaves tocarem sua pele dos pés a cabeça sem a intensão de massagear propriamente, mas de estabelecer contato. A sensação de ter a ponta de dedos tão suaves, umedecidos e gentis passando por suas costas e acariciando a nuca era quase vertiginosa. 

Sem entender o porquê Amahle começou a chorar. Chorava e ao mesmo tempo se abria mais e mais para tudo o que estava recebendo. 


Ao escutar o som suave do vibrador sendo ligado, temeu não estar pronta. Porém, depois de sentir vibrações nos ombros, nas curvas de sua cintura e se arrepiar sentindo seus mamilos serem estimulados, foi ela mesma quem pediu por mais. 

 

 

“Me diga se a intensidade está boa assim”, ouviu. “Sim”, foi a única palavra que conseguiu pronunciar. A massagista se demorou percorrendo suas virilhas, grandes lábios e passando o vibrador por cima de seus pelos, quase como se não quisesse tocar a pele, até que Amahle sugeriu: “mais”. Simultaneamente a intensidade aumentou e o pequeno bullet tocou a ponta de seu clitóris. Pela primeira vez ela o percebeu duro, estendido, desejoso de mais contato. Suas pernas estavam o mais abertas possível, ela gemia ainda que tentasse abafar suas reações e se via apertando o bico dos seios enquanto seus quadris se moviam descoordenadamente sob os lençóis.

Logo um ponto fez com que o prazer se centralizasse como uma linha de laser que caminha da vulva até seu cérebro, mandando-o entregar todo o que conhecia até aquele momento sobre prazer e satisfação. Percebeu seu corpo tremer, seus pés se curvarem quase como em câimbras e sua barriga contrair até que pedisse clemência. “Se existe um limite para a dor, deve haver também para o prazer”, pensou. Por um segundo achou que iria desfalecer. Mas era apenas o que algumas pessoas descrevem como ter um orgasmo. 

Amahle saiu da sessão sorrindo. Deixou a cama molhada, o constrangimento e a insegurança sobre a capacidade do seu corpo e receber prazer atrás de uma porta que não voltaria a abrir. 

Na manhã seguinte, enquanto preparava as malas para o check out uma ideia louca lhe ocorreu: e se tentasse recuperar os anos perdidos de orgasmos magníficos com namorados que ela julgava incompatíveis? Será que agora que ela se sentia “curada”, eles saberiam fazê-la gozar? Amahle resolveu ir atrás dessa resposta, uma transa após a outra. 

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Monique dos Anjos é escritora de contos eróticos para mulheres, jornalista e estuda gênero e raça para pesquisas acadêmicas. Além dos trabalhos de escrita, desenvolve palestras sobre letramento racial e equidade de gênero.

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