Enfrentei o maior fantasma da minha vida

Enfrentei o maior fantasma da minha vida

Escrito por: Feel

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Tempo de leitura 3 min

O câncer de mama sempre foi um tabu na minha vida. Perdi a minha mãe para a doença, em 1991, quando eu tinha 11 anos de idade, ela 46. Vivi o luto como pude naquela época, tocando a vida pra frente. Psicólogo não era uma prática usual. E esse fantasma sempre pairou sobre mim. Havia um bloqueio muito grande referente ao câncer de mama. Para você ter uma ideia, eu trabalho com sexualidade e saúde feminina desde 2018, mas chegava Outubro Rosa e eu não conseguia fazer um post sequer sobre o assunto.

Não gostava das minhas mamas até tempos atrás. As achava pequenas e caídas até que eu comecei a gostar delas depois de receber elogios por minhas mamas serem naturais, em meio a tanto silicone por aí. Comecei a olhá-las de forma diferente quando eu tinha uns 30 e poucos anos. Mas gostei da forma errada: a validação externa e não interna.

Como eu tinha histórico de câncer de mama na minha família, iniciei a mamografia e ultrassom aos 30 anos (e indico isso a você, caso também tenha uma situação parecida). E todo ano era aquele sofrimento, angústia, chorava, não dormia um dia antes do exame. Era sempre um conflito para mim esse momento. Eu, por exemplo, nunca fiz autoexame com medo de achar algo (loucura, né! Mas a nossa mente é um mar sem fim). Se eu percebesse qualquer tipo de bolinha, acho que cairia em desespero. Por isso, sempre fiz os exames corretamente, nem um mês a mais, nem um mês a menos.

E quando finalmente fiz as pazes com as minhas mamas e as olhava nos espelho as achando bonitas, agora numa validação interna, o diagnóstico veio em junho de 2023. Mas antes meu corpo deus sinais que eu não percebi: tive um nódulo benigno em 2017 e outro em 2022, ambos na mesma mama do câncer, a esquerda. 

Recebi a notícia por uma chamada de vídeo no Whatsapp da minha ginecologista, já que ela estava nos Estados Unidos, e meu mundo desmoronou. Aquilo que eu tanto temia, aconteceu. Eu não lembro até hoje quem foi a primeira pessoa que eu falei sobre o assunto. Tenho uma espécie de apagão daquele dia. E, aos poucos, fui entendendo que finalmente eu precisava trabalhar o luto pela perda da minha mãe na marra e aquilo tudo serviria como uma cura emocional de toda a minha família. Não bastasse um tumor, eu tive dois, o segundo descoberto nos exames pré-operatórios. Os dois eram hormonais e estavam em estágio inicial. 

Lembra que eu disse que não conseguia postar sobre o assunto nas minhas redes? Desde o dia do diagnóstico esse tópico começou a fluir para mim, ajudo outras mulheres na mesma situação e hoje falo sem problemas. Parece que, de certa forma, me libertei desse bloqueio e um dos pilares atuais do meu trabalho é divulgar o tema e informar.

Vivi dias muito difíceis, principalmente, com o plano de saúde, e até hoje tenho problemas nesse sentido, mudei de ginecologista, a vida me colocou um anjo chamado dra. Heliégina Palmeiris e como sou autônoma tive que fazer uma reserva financeira para eu ficar um tempo parada em recuperação…Enfim , fui superando um problema atrás do outro. Sim, além da doença tinha que me preocupar com o plano de saúde e a minha situação financeira. E faço questão de enfatizar isso porque a maioria das mulheres que passa por essa situação tem esse tipo de preocupação, fora ainda as que têm cônjuge e são abandonadas no meio do tratamento. Não foi o meu caso, preferi não começar nenhum relacionamento durante a época do diagnóstico. Tive somente encontros casuais. Eu precisava focar em mim, guardar energia para mim.

Em comum acordo com os médicos, optei pela mastectomia bilateral (retirada das duas mamas) para reduzir as chances de uma recidiva. Arrependimento zero! Não precisei fazer quimioterapia, nem radioterapia e seguirei por 5 anos tomando diariamente uma medicação chamada Tamoxifeno, que age como um seletor hormonal. Estou à espera de colocar a prótese de silicone e viver uma nova etapa.

Ainda vivo uma fase estranha, me sentindo num limbo entre uma cirurgia e outra. Emocionalmente parece que a minha vida ainda está congelada e seguirá novamente quando eu fizer essa segunda cirurgia. Mas estou me acolhendo como eu posso, fazendo terapia, tendo a companhia das pessoas que gostam de mim. E essas pessoas foram essenciais desde o dia que eu descobri até hoje. A rede de apoio é fundamental para qualquer situação desafiadora que passamos na vida. 

Cada check-up e visita ao médico traz uma certa angústia, mas com o tempo estou aprendendo a administrar. O fantasma que eu tinha lá atrás do câncer de mama se apresentou para mim e tive forças para lutar.

Tenho muitas amigas que me falaram: “Nossa, Lu. Não sei se eu teria toda essa coragem que você teve de trabalhar sem parar, brigar com o plano, optar por tirar as duas mamas.” E eu sempre respondo: “Sim, você teria. Sabe por que? O amor que temos à vida é maior do que tudo.